Carta ao professor

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Eu sempre tive uma ligação indeterminada com a Fotografia, achava incrível aquele aparelho que permitia você ter lembranças guardadas em papel. Cheguei a usar algumas câmeras emprestadas por amigos naquela época. Mas nada me deixava mais fascinado do que aquelas fotos grandes e bonitas que ficavam nas paredes das lojas onde eu deixava os filmes para revelar. Até então, eu acreditava que era necessário se ter aquelas maquinas grandes, bonitas, pretas e com lentes sensacionais para se fazer uma foto bonita igual aquelas. Eu queria muito ter um equipamento destes…mas demorou um pouco, só no final dos anos 90 é que consegui comprar minha primeira maquina fotográfica, uma Pentax Espio 70 comprada na Conselheiro Crispiniano no Centro. Usei até gastar, mas a tenho guardada até hoje. Só em 2005 é que consegui comprar, até então, a maquina dos meus sonhos. Aquela que iria mudar minha vida e fazer fotos incríveis como aquelas das paredes das lojas. Comprei uma Canon XTi com a lente do kit. Quando segurei a maquina, ainda na loja, me assustei com a quantidade de botões. Olhei para o vendedor e perguntei:

– Como eu faço uma foto com esta maquina?
– Você não é fotografo? – perguntou.
– Não – respondi.

Após uma breve pausa, ele pegou a maquina e disse:
– Gire este botão aqui e deixe no quadradinho verde, agora é só mirar e apertar este botão aqui. Pronto! Sua foto está feita.
– Não precisa configurar mais nada? – perguntei.
– Não, neste quadradinho verde todos os seus problemas estão resolvidos.

E lá fui eu me sentindo o fotografo das galáxias. Nunca vou esquecer da minha própria reação quando fiz meu primeiro click. É óbvio que não rolou…e isto me levou a conclusão de que precisava aprender a fotografar.
E foi assim que comecei. Fiz meu primeiro curso em uma escola no Centro e lá eu já senti que teria alguma dificuldade e nem foi pelo curso, que era essencialmente técnico, mas pela turma. Havia alguns alunos que levantavam temas de difícil entendimento para um cara de TI como eu. Foi nesta escola que descobri que a fotografia era algo muito mais amplo…e tinha diversas especialidades. Não pensei duas vezes, queria experimentar tudo!!

Passei dois anos fazendo tudo que se pode imaginar sobre cursos de fotografia, palestras, workshops, etc. Melhorei. Já conseguia produzir fotos como as que via nas paredes das lojas. Mas em pouco tempo a fonte secou, sentia falta de algo que não tinha certeza o que era…queria ampliar os horizontes de alguma maneira. Então decidi voltar para Faculdade…fui fazer o Bacharelado. Eu tive um começo muito difícil lá, eu era melhor que alguns alunos da sala no manuseio do equipamento (por conta dos cursos técnicos que já havia feito), mas não conseguia fazer fotos como eles. Os temas discutidos em aula eram de um grau de dificuldade gigantesco para um cara que nem sequer teve a disciplina de Filosofia ao longo da formação acadêmica.
Quando eu entreguei meu primeiro trabalho fotográfico na Faculdade, a professora pediu que eu explicasse. Fiz uma explicação incrível, sobre equipamento, configurações, etc. Coisa fina! Quando terminei ela perguntou:

– Perfeito. Mas porque você tirou esta foto?

Fiquei olhando pra ela sem encontrar palavras. Como diria aquela musica do Legião, fui para o inferno pela primeira vez. Eu não tinha a menor ideia do que ela estava me perguntando. Tive que ralar bastante para chegar no nível dos demais e entender o que estava acontecendo ali. Demorou um pouco. Eu acreditava que existia uma receita de bolo para a foto perfeita. Pois é, não havia…pior que isto, foto perfeita não tinha necessariamente alguma coisa a ver com equipamento.

Eu conheci muita gente e tive ajuda de muitos que já conhecia, uns mais legais, outros menos, uns compartilhavam conhecimento, outros escondiam a 7 chaves. De tudo que vi e vivi em cursos, workshops, palestras e faculdade, pouquíssimas pessoas fizeram realmente uma grande diferença na minha maneira de ver, pensar e fazer fotografia. O Ricardo foi uma destas pessoas. Por uma insistência inabalável dele, deve ter sido a fase em que mais fotografei. Cheguei a tirar férias do trabalho e ficar 30 dias perambulando pela cidade com uma Hasselblad 1986 na mão. Não me recordo de alguma pauta que ele não me mandou refazer, mesmo quando fazia mais do que o acordado, ele sempre dizia que podia melhorar e eu acabava voltando com mais fotos pra fazer. Certa vez eu quase consegui passar ileso de um trabalho dele, mas ele mandou refazer a ampliação, estava muito contrastada…me deu 2 horas pra fazer isto. Ao longo do curso houve um momento em que perdi a paciência. Ele não fechava a edição do meu trabalho de semestre, sempre ficava faltando 2 ou 3 fotos. Um dia eu me irritei, achava que era perseguição da parte dele, fiquei puto e perguntei:

– Pô Ricardo, você não vai fechar meu trabalho nunca???

Ele olhou para mim por alguns segundos, tirou o óculos e respondeu:
– Porque eu faria isto se toda vez que peço para você refazer você trás algo melhor que o anterior? Você está dando corda, eu estou puxando. Quero ver até onde você vai…

Não preciso nem dizer que a resposta foi desconcertante e que eu fui para o inferno pela segunda vez. No final das contas deu tudo certo, ele enfim fechou aquele trabalho, claro que tive que refazer mais algumas vezes antes disto, mas hoje olhando pra trás posso afirmar que esta fase foi fundamental para o meu aprendizado.

Professor, obrigado por tudo e parabéns pela Exposição!

por J. Neves

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