A Bailarina – Memórias das minhas primeiras vezes

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Não vou saber o dia exato, nem tão pouco o mês, mas tenho certeza absoluta do ano. Estou falando de 1990 e cheguei nesta conta porque tinha 17 anos e me lembro bem que, academicamente falando, eu era um problemão para minha mãe há algum tempo. Este fato em particular me levou ao meu primeiro emprego, que por sua vez me levou a entender um pouco mais a fundo como funcionava  o mundo dos adultos. Nesta época, como todo “aborrescente” que se preza, nada mais fazia minha cabeça… já tinha vivido uma experiência frustrada na escola municipal, depois na particular…e naquele momento era por minha conta. Tinha acabado de descobrir o Rock and Roll (e isto já era bem suficiente pra mim). Além disto a única coisa que prendia minha atenção era um equipamento que chamávamos de “maquina fotográfica”. Não era algo presente no meu convívio, só via um equipamento destes nas festas, formaturas, cultos, casamentos. Achava o máximo o lance de você ter uma imagem no papel (…anos mais tarde, eu tive um professor de Historia da Fotografia na faculdade que dizia que “a Fotografia foi o mais próximo que o homem chegou da maquina do tempo” – concordo em numero, gênero e grau!).

Não passava pela minha cabeça ter uma maquina fotográfica um dia. Mas eu queria muito…

Na empresa onde fui trabalhar, havia um cara chamado Zé Antonio, ele  operava aquelas IBMs elétricas fazendo Nota Fiscal o dia inteiro e vinha de carro conosco todos os dias. Eu, ele e meu irmão. Descobri, por um acaso, que ele era o felizardo dono de uma Yashica (lógico que ainda não sabia o que era Yashica…só tinha visto por aí) e por uma questão de educação… eu acho (até hoje não sei) me ofereceu emprestado um dia. Lógico que aceitei!!

Ia ser a primeira vez que operaria uma maquina fotográfica. Não sabia absolutamente nada…mas achava o máximo. Me lembro que comprei meu primeiro filme em uma papelaria na Av. Américo Brasiliense, um Kodak Colorido ASA 100, 36 poses.

Naquele final de semana, fui encontrar com os amigos de sempre, o Marcelo e o Reinaldo (famoso Rato, como era conhecido no meio…rs). E óbvio, trazer a grande novidade “uma máquina fotográfica!” O Marcelo manjava de algumas coisas destes equipamentos e me deu vários toques. Pelo menos o mínimo…apontar e clicar, colocar filme…rebobinar filme.

Segunda-feira devolvi o equipamento do Zé e já estava ansioso para que me mandassem fazer algum serviço na rua (eu era office boy), assim passaria em algum laboratório para deixar o filme para revelar. Ia ser a primeira vez que entraria em um laboratório fotográfico e não via a hora.

Ao sair para um serviço no Centro da Cidade me dirigi ao primeiro laboratório fotográfico que vi (acho que este laboratório nem existe mais), me lembro que a entrada era uma porta de vidro, ao abrir a porta me senti uma criança entrando numa Loja de Brinquedos pela primeira vez. Havia um zum-zum-zum de gente dentro da loja, era grande a movimentação! Um balcão enorme rodeava toda a loja, era de vidro, contendo em seu interior todo aparato fotográfico inimaginável. Filmes, porta-retratos, acessórios, maquinas de todos os tipos, lentes, bolsas e uma série de coisas que eu não tinha a menor ideia para que servia. O pé direito do laboratório era alto, e repleto de quadros… foi neste momento que aquele zum-zum-zum foi diminuindo de volume…e as pessoas passaram a mexer os lábios sem áudio. Nas paredes, naquele momento, uma verdadeira orquestra sinfônica tocava em alto e bom som dentro da minha cabeça enquanto meus olhos caminhavam pelos vários quadros que a preenchiam. Fotos lindíssimas de paisagens de tirar o folego, coloridas e hipnóticas…respirei lentamente e pensei: “Puxa! Como eu queria fazer uma foto assim…”

Meus olhos percorreram aquelas paredes vagarosamente, quadro a quadro (e provavelmente de boca aberta…rs) até que, após algumas voltas pelas paredes, um quadro preto e branco se destoava. Era uma bailarina. O fundo era escuro e havia apenas uma luz sobre ela, mas dava para ver que a cena se passava em um palco. Ela estava postada em um passo ou uma pose que mais parecia um agradecimento ao olhar dos espectadores, parecia estar em meio a uma apresentação porque havia expressão em seu passo e em seu rosto. Em meus olhos, naquele momento, aquela bailarina estava dançando sem parar com toda certeza! Mas antes mesmo que eu pudesse desejar um dia fazer uma foto como aquela muito mais do que as de paisagens, fui interrompido:

– O senhor já foi atendido? – Foi neste momento que eu tive certeza absoluta que estava de boca aberta (kkkk).

Deixei o filme para revelar…aliás, tenho este filme até hoje. Lógico que as fotos ficaram horríveis, mas o Zé me emprestou a maquina dele outras vezes e voltei no mesmo laboratório outras vezes (e as fotos continuaram horríveis!). Em todas as idas, gastei uns minutos admirando aquele quadro da bailarina. Me recordo que em uma das vezes, perguntei ao atendente se era difícil fazer uma foto daquela. Mas fiquei sem resposta quando ele me perguntou qual equipamento  eu tinha e se conhecia alguma bailarina.

Bom…os anos se passaram. E o tempo é implacável…

Meus caminhos, me levaram a outros caminhos, que me levaram a outros caminhos, eu saí daquele primeiro emprego e nunca mais vi o Zé, fiquei um bom tempo sem ter contato com equipamento fotográfico de novo. E nunca mais tive o prazer de ficar admirando o quadro da bailarina naquele laboratorio.

Nunca mais voltei lá…

Os anos se passaram novamente… talvez a ciência possa explicar melhor, mas eu fiquei com o quadro da bailarina na memória só por algum tempo. Depois por algum motivo esta memoria foi se dissolvendo e nunca mais lembrei deste episodio com o  quadro da bailarina. Me recordo que, muitos anos depois, quando finalmente consegui comprar uma maquina fotográfica, fui para o primeiro curso de fotografia e desde as primeiras aulas eu pensava na possibilidade de fazer um ensaio com uma bailarina. Engraçado… naquele momento eu já não sabia mais de onde vinha esse lance, eu realmente não me recordava mais daquela minha primeira vez no laboratório e nem do quadro da bailarina. Um aluno da sala até me perguntou uma vez porque eu queria tanto fazer um ensaio com uma bailarina. Eu pensei… pensei… e respondi que não sabia… que achava bonito apenas… até que um dia o telefone tocou, do outro lado da linha uma voz me fez a seguinte pergunta:

– Fala Joe! Você por um acaso teria disponibilidade para produzir um ensaio para uma escola de Ballet?

Morri. Fala sério!! O tempo parou!!

Adivinha o que tocou na minha cabeça novamente?

A mesma orquestra sinfônica daquele dia!!! Como num passe de magica eu me recordei como nasceu o meu primeiro desejo fotográfico. Bizarro!!! E é obvio que aceitei de primeira!

Fotografamos em uma locação incrível, não tinha palco, mas eu não parava de pensar numa forma de tentar fazer aquela mesma foto que vi no quadro do laboratório. Lógico que tinha de fazer isto de uma maneira discreta, afinal de contas o ensaio não era meu…

Então, como parte do meu plano maquiavélico, a primeira coisa que eu achava que tinha que fazer era convencer as 2 professoras a irem vestidas de bailarinas no dia do ensaio, a segunda seria achar uma referencia semelhante a foto do quadro do laboratório. Na minha cabeça seria mais certeiro uma professora executar uma referencia repentinamente.

Esse meu plano incrível, quase foi por agua abaixo, quando no dia das fotos descobri que as 2 professoras não utilizariam nem titi e nem sapatilha com ponteira (a bailarina do quadro estava com ambos).

Dancei literalmente. Tudo que eu tinha imaginado em minha cabeça tinha saído pela culatra.

Não fosse uma das Formandas, assim… do nada… logo na primeira parte do ensaio, fazer a mesma pose que vi no quadro naquela primeira vez que entrei em um laboratório fotográfico… foi mágico. Se tivéssemos combinado não teria dado tão certo. Ou talvez eu tenha dado uma volta danada sem necessidade…rs. Mas isto eu nunca vou saber…

Agradeço ao Alex Najas pelo convite e ao Studio FF Bastos pela oportunidade. Este trabalho me fez viajar no tempo e teve uma importância bastante significativa pra mim.

Obrigado!

por J. Neves

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